TRANSE
A Fenomenologia do Transe
Muitas são as maneiras de alcançá-lo –
Os métodos usados pelos hipnotizadores para levarem
seus pacientes ao transe são tão variados quanto possamos
imaginar. Não existe um método padronizado que sirva de base
aos outros ou que atinja melhores resultados. Na hipnose,
o método é criado pelo próprio hipnotizador e os sucessos
dependem mais de sua autoridade, prestigio ou segurança que
do método em si mesmo.
Mesmer foi o primeiro a induzir no transe como
meio clinico de "curar" certas afecções. 0 objeto de suas
sessões de "cura" era provocar grandes crises convulsivas
consideradas na época extremamente saudáveis. Nenhuma diferença
encontraríamos, a não ser na forma de indução, entre as crises
mesméricas e o estado de transe convulsivo. Mesmer valia-se
de toda uma encenação impressionante: a crença em eflúvios
magnéticos ricos em virtudes curativas; música suave e penumbra
na sala; silêncio absoluto por parte dos pacientes enquanto
ele andava vestido com uma túnica de seda lilás; toques com
uma vara de ferro nas partes afetadas pela doença; passes
e toques com as mãos; a tina cheia de água "magnetizada";
enfim, todo um ambiente que oferecia condições reconhecidamente
encorajadoras do transe em sujeitos predispostos.
Nas crises mesméricas, porém, assim como em qualquer
outro método hetero ou auto-sugerido de indução no transe,
nada há além dos condicionamentos ambientais ou da capacidade
de autosugestão dos sujeitos.
A Academia Francesa de Medicina demonstrou que:
"a imaginação separada do magnetismo produz convulsões, e
o magnetismo sem imaginação nada produz".
Hoje, além da sugestão ou imaginação, a bioquímica,
medicina e psicologia encontram outras explicações cientificas
para o uso de inúmeras técnicas alteradoras do campo da consciência.
Enumero algumas entre as mais usadas:
Danças rítmicas e saltos: Estão
entre os principais métodos de induzir a estados de êxtase
em que uma pessoa se sente dominada por uma força ou um ente
superior. Vimos antes como eram praticadas por chineses e
aissauis do Islã. 0 grande feiticeiro da Caverna de Trois
Freres, talvez a mais famosa gravura pré-histórica de um dançarino,
este revestido com despojos de animais, imitando na dança
os movimentos destes, provavelmente para sentir-se possuído
pelo "espírito" do animal que será caçado. Nos cultos africanos
e afro-americanos, a dança rítmica é parte integrante do ritual,
e assim em todas as culturas e civilizações a dança é um método
dos mais empregados para chegar ao transe.
0 movimento rítmico prolongado exige muito esforço
muscular e logo
começa a causar exaustão física e nervosa. Isto provoca um
alto nível de álcalis no sangue, e que conduz a alcalose cerebral.
"Sabemos - diz Sargant - que a alcalose cerebral tende a produzir
transe e comportamento sugestionável. Sem dúvida, as batidas
fortes com os pés e as danças rítmicas criariam mais ácido
láctico no fluxo sanguíneo, por causa do excessivo esforço
muscular envolvido.
Respiração anormal: A alcalose
cerebral pode também ser provocada por uma respiração intensa
e rítmica; nestes casos, o carbono, em um ácido, é eliminado
do fluxo sanguíneo, e isto frequentemente conduz à dissociação
histérica e a estados de sugestionabilidade aumentada"
Esta técnica é muito frequente em tribos africanas.
Os ioguis usam também técnicas respiratórias
para atingir estados alterados de consciência, visando essencialmente
absorver e dirigir através do corpo uma hipotética força cósmica,
o prâna. "Consiste, em efeito, por regra geral, em aspirar
forte e longamente conservando depois os pulmões cheios de
ar durante um lapso de tempo que vai de vários segundos até
um minuto ou mais. A duração da retenção do sopro deve ser
quatro vezes a da exalação, recomenda o Hatha-Ioga. 0 método
é muito perigoso, pois dilata muito os alvéolos pulmonares
e determina perturbações circulatórias capazes de provocar
por si mesmas uma diminuição da oxigenação cerebral, tonturas
e síncope. Pode também surgir, nos sujeitos predispostos,
crises epiléticas ou de hemoptise".
Brados e cantos prolongados: Podem
produzir resultados semelhantes aos anteriores, ainda que
menos acentuados. A menos que sejam muito exercitados, os
cantores tendem a expirar mais ar do que inspiram e, em consequência,
a concentração de CO2 nos alvéolos pulmonares e no sangue
é aumentada, o que produzirá, como já vimos,uma redução da
eficiência do cérebro tornando possíveis experiências de dissociação.
"No canto do curandeiro, do feiticeiro, do conjurador
de espiritos; no infindável entoar de salmos e sutras dos
monges cristãos e budistas; nos gritos e gemidos, horas a
fio, dos pregadores itinerantes... o propósito psico-quimico-fisiológico
permanece constante:
Aumentar a concentração de dióxido de carbono no organismo
a fim de diminuir a eficiência da válvula redutora, o cérebro.
A diminuição desta eficiência no órgão diretor
de nossa atividade consciente levará a uma queda da capacidade
crítica e a um descenso da tensão intelectual, condições
propícias para a entrada no transe.
0 jejum prolongado: Nos países
do Hemisfério Norte, antes da invenção das frigoríficos e
antes de que o desenvolvimento das comunicações facilitasse
o transporte de alimentos na escala que hoje conhecemos, as
populações, durante cerca da metade de cada ano, não comiam
frutas e hortaliças verdes, faltando também, em maior ou menor
grau, leite, ovos e carne fresca. No fim de cada inverno,
o escorbuto (falta de vitamina C) e a pelagra (falta do complexo
vitamínico B)eram frequentes nessas regiões.
Se a esta carência natural de recursos alimentícios
acrescentarmos, em ambiente cristão, os jejuns voluntários
ou obrigatórios prescritos na Quaresma (fim do inverno, começo
da primavera) compreenderemos que natureza e normas religiosas
preparassem um terreno muito propício para as mais diversas
manifestações de exaltação psíquica, não faltando entre elas
os êxtases ou transes frequentes.
Huxley, quer ver na subnutrição uma das causas que facilitam
certas experiências aparentemente místicas. "0 sistema nervoso
é mais vulnerável que os demais tecidos do corpo.
Em consequência, as deficiências de vitaminas
tendem a atuar sobre o estado de espírito antes de agirem,
ao menos de modo ostensivo, sobre a pele, os ossos, as mucosas,
os músculos e as vísceras. A primeira consequência duma dieta
imprópria é uma redução da eficiência do cérebro como instrumento
de sobrevivência biológica. 0 subnutrido tende a ser dominado
por ânsias, depressões, hipocondrias e sentimentos de angústia.
capaz também de ter visões, pois quando a válvula redutora
– o cérebro - diminui sua eficiência, muito material
biologicamente inútil flui para o consciente.
Em muitas áreas do mundo, a subnutrição é um
mal crônico. É fácil constatar que nestas áreas de fome permanente,
ou nas camadas sociais menos favorecidas economicamente de
alguns países, o transe está frequentemente associado a cultos
de tipo religioso. Seria lícito concluir que a subnutrição
predispõe para os estados de alteração psicológica favoráveis
ao transe, pelo menos come um elemento de reforço entre outros
fatores: crenças, costumes, tradição, acontecimentos históricos-sociais,
etc.
De qualquer maneira, o jejum prolongado esgota
as reservas do cálcio e a taxa de açúcar disponível no organismo
e a psique parece mais apta para perceber seus próprios pensamentos,
o próprio corpo, ter alucinações, transes e outras experiências
do gênero.
Os
castigos corporais: Para os cristãos, a mortificação
da carne foi sempre um meio de purificar o espirito, mantendo-o
alerta contra o assalto das paixões desordenadas. Houve, porém,
ao longo da história, períodos em que se supervalorizou a
mortificação corporal, dando lugar a grandes exageros. Os
castigos brutais praticados contra o próprio corpo tonaram-se
frequentes em um tipo do ascetismo mal entendido.
Apesar da brutalidade, sempre havia uma parte
de compensação psicológica proveniente da experiência, em
geral pseudomística, que o sofredor às vezes experimentava:
êxtases acompanhados de visões, da sensação do perdão total,
da participação na paixão de Cristo. Antigamente, estes fenômenos
aparentemente extraordinários que acompanhavam os grandes
penitentes eram interpretados, com não pouca frequencia, como
manifestações sobrenaturais. Hoje em dia haveria outras explicações
mais de acordo com os conhecimentos científicos, invalidando,
polo menos na maioria dos casos, a hipótese transcendentalista.
Sabemos, p. cx., que a flagelação com chicotes
do couro ou arame provoca feridas que podem desorganizar o
equilíbrio químico do organismo. Enquanto dura o suplício,
as glândulas liberam grande quantidade de histamina e adrenalina;
e quando as feridas começam a supurar, várias substâncias
tóxicas, produzidas pela decomposição da proteína, penetram
na corrente circulatória. A histamina produz o choque que
atua sobre a mente com a mesma intensidade que
sobre o corpo e as toxinas das feridas desorganizam os sintomas
enzimáticos reguladores do cérebro, reduzindo sua eficiência.
Além do mais, grandes quantidades de adrenalina podem provocar
alucinações.
Isto poderia explicar por que alguns ascetas costumavam dizer
que quando lhes era dado flagelar-se sem piedade, "Deus nada
lhes recusava".
Outros meios: Objetos brilhantes
(luzes, jóias vistosas, bolas de cristal, espelhos...), quando
olhados insistentemente, podem induzir ao transe por fadiga
ocular resultante em exaustão nervosa, sempre que outros estímulos
intervenham na experiência, p. ex., a expectativa do transe,
o ambiente, as palavras e gestos dum hipnotizador, etc.
A concentração prolongada
numa idéia ou num pensamento, o monoideísmo, pode levar a
dissociações mais ou menos profundas. É frequente em pessoas
que se dedicam a uma tarefa intelectual abstrairem-se por
completo do ambiente que as rodeia, nada ouvem, nada sentem,
parecem estar num outro mundo.
Conhecemos
também a enorme quantidade de drogas naturais (ópio, maconha,
coca, beladona, estromônio, mandrágora, estrato de lobeliáceas,
mescalina, cafeína...) ou de
produtos químicos ( ácido lisérgico, adrenocromo, escopolamina
cloratosa, cloruro de amônio, amital do sódia, pentotal...)
e até os de mais fácil aquisição (café, chá, álcool, fumo),
toda esta longa lista do produtos poderiam ser, e com frequência
o são, excelentes meios de indução ao transe.
Não devemos esquecer a enorme
eficácia que a expectativa, a crença, a simples vontade ou
o ambiente contagiante tem, em vistas a atingir estados de
dissociaçào psicológica, assim como as condições psico-fisiológicas
do sujeito: manias, sífilis cerebral, epilepsia, endocrinopatia,
histerias, conflitos internos, etc.
0 transe ou qualquer estado semelhante
de inconsciência, mais ou menos profundo, é condição necessária
para o fato parapsicológico acontecer, mas não oferece nenhuma
garantia do que o fenômeno acontecerá inevitavelmente. Se
assim fosse, todos poderíamos ser grandes dotados apenas com
a condição de ficarmos inconscientes.
Embora cada um experimente as alterações
do transe de modo peculiar, contudo, parece existir uma série
de características comuns: aumento das pulsações, diminuição
da respiração, esfriamento dos membros, aumento das secreções,
excitação da atividade genésica.
Não há espaço nestas linhas para abordar os aspectos
fraudulentos do transe ou transe fingido, praticado com mais
frequência do que poderíamos esperar. De qualquer maneira,
basta salientar que está muito ligado a casos de histeria,
e sabemos a dificuldade existente para diagnosticar quando
um histérico está num acesso real ou fingido.
Texto extráido da
Revista de Parapsicologia número 25 elaborada pelo CLAP- Centro
Latino Americano de Parapsicologia - Por Pablo Garulo
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